sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Domingão no Elevado Costa e Silva

Acho este texto interessantímo, pois ele capta um momento da cidade de são paulo com perfeição; um Domingo no minhocão ( elevado costa e silva) que nese dia é fechado para os carros. a população agradece.


Todo Domingo, para das sossego aos moradores dos prédios localizados em suas margens, o Elevado Costa e Silva, em São Paulo, é fechado para veículos e aberto a seres humanos, cachorros e carrinhos de picolé. Mês passado, para fazer o derradeiro longão do desafio RUNNER'S, juntei-me a essa rica fauna deste parque sem árvores.
Esgueirando-se por entre is edifícios, desproporcional e desengonçado, o minhocão lembrou-me certas misturas de brinquedos: um falcon na base dos comandos em ação, um playmobil no módulo lunar do lego. O Elevado não cabe ali, mas por acaso, descaso, incompetência ou mal gosto, ali está. E, como temos a fantástica capacidade de nos adaptarmos a qualquer situação, transformamos a aberração urbanística num aprazível programa dominical.
Enquanto ia e vinha nos quase 3 km de asfalto, bisbilhotava o interior dos apartamentos. É estranho, vc está numa baita avenida, cujo chão é marcado por uma faixa contínua de óleo, vazado dos carros, mas ali ao lado, quase ao alcançe da mão, uma senhora rega sua samambaia; um tiozinho de short e regata assiste ao jogo do timão, numa televisão de 14 polegadas; dá para ver os quadros nas paredes e bicicletas em quintais, almoços de família e gaiolas.
Se espiar a vida nos apartamentos é um prazer, ainda melhor é contemplar as pessoas que passeiam pelo minhocão. Não é o público que costumamos encontrar nos parques, com cangas e frisbes. É o pessoal do centro, que durante a semana se esconde à sombra do elevado, em escritórios e lojas, e no Domingo, pondo em prática a máxima de que a melhor vingança é ser feliz, sobe no lombo do rinoceronte de concreto e o tranforma nesse playground suspenso da babilônia. Vejo-os à paisana e imagino quem são em horário comercial.
A mulher de 60 anos, cabelo escovinha e óculos à la Jonh Lenon, dona de um sebo, anda de mão dada com a namorada 20 anos mais jovem, garçonete de uma churrascaria. Um zelador de Santa Cecília xaveca a empregada da Barra Funda, que se faz de difícil, tomando sua Fanta. Dois empacotadores do Sacolão da Rua Amaral Gurgel esperam seus churrasquinhos ficarem prontos, enquanto o segurança da casa de strip pede ao filho que chute a bola com menos força: se ela cai lá em baixo já viu... Os senhores de boinas e suspensórios. E eu, 2 horas e 6 minutos depois de começar a correr, sento na guia central.
Enquanto vejo os batimentos diminuírem, olho em volta e compreendo que aquela é a mais perfeita encarnação de um Domingo: o único dia da semana em que muitas pessoas podem vestir a roupa que escolhem, ir para onde quiserem e fazer o que lhes der na telha. E o minhocão, por algumas horas, despe-se de seu plúmbeo uniforme motorizado e veste-se de pedestres, trocando as gostas de óleo pelos pingos de picolé- um breve refresco para a carcaça de asfalto, enquanto a segunda não vem.



Antônio Prata- Revista Runner's

Um comentário: